Juliana Sada, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
É a história de uma infância comum a milhões de brasileiros. Desde muito novo, Antonio e seus irmãos ajudavam nas tarefas domésticas. Na casa de taipa na zona rural do interior do Ceará, na pequena Morada Nova, as brincadeiras eram improvisadas. Latas e outros objetos cotidianos ganhavam vida para divertir. Para Antonio, a escola só se tornou acessível aos oito anos, quando a família se mudou de cidade. E é nesse período também que Antonio passa a usar seu tempo livre para trabalhar junto à família na agricultura, no plantio de milho e feijão. Brincadeira, agora, só de final de semana. À medida que as crianças crescem, a escola rural não atende mais a faixa etária e Antonio e seus irmãos têm que caminhar cerca de cinco quilômetros para chegar a outra escola.
Mas esta é também uma história ímpar. Contrariando as expectativas, Antonio ingressa no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará. Por meio de um estágio, entra em contato com o mundo do trabalho e decide que quer atuar nessa área. “Quero transformar a realidade de violação de direitos trabalhistas e de condições de trabalho muito precárias, a realidade de trabalho escravo e infantil e de precarização das relações de trabalho da administração pública.”
Hoje aos 45 anos, o menino cearense é mais conhecido como doutor Antonio de Oliveira Lima, procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho do Ceará (MPT-CE). Há doze anos na carreira de procurador do trabalho, ele é um dos principais atores da luta pela erradicação do trabalho infantil. Mas sua atuação não se restringe a isso. Já lidou com a temática do trabalho escravo em Alagoas e atua na área de irregularidades na administração pública. “No MPT, tenho a possibilidade de atuar na transformação da realidade”, resume Antonio sobre sua motivação.
Na labuta
No caso do trabalho infantil, há uma realidade que urge ser transformada. São 3,4 milhões de crianças e adolescentes, entre 10 e 17 anos, trabalhando no Brasil, segundo o Censo 2010. Já no Ceará, são 160 mil pessoas em situação de trabalho infantil. A realidade que se impõe demanda distintas ações. “Buscamos articular parcerias com órgãos e entidades para promoção de políticas públicas de prevenção e erradicação. Atuamos na conscientização da sociedade para que não aceite a exploração e sempre buscamos fortalecer o sistema de garantia de direitos.”
A própria vivência do procurador no trabalho infantil dá suporte para sua atuação no presente. “Isso
me traz um fator importante para compreender o fenômeno”, diz. A experiência também o ajuda a dialogar com quem aceita o trabalho infantil. “Como vivenciei, sei as dificuldades enfrentadas por quem está nessa situação e sei compreender a fala de quem aceita o trabalho infantil”, aponta Antonio. “Só não tenho compreensão quando essa fala vem de autoridades, que é quem deveria mudar a realidade”, complementa.
Na busca pela erradicação do trabalho infantil, Antonio inovou e, apostando a prevenção, buscou parcerias com as escolas. Foi assim que, em 2008, nasceu o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca). A iniciativa busca conscientizar a comunidade para o tema, por meio de palestras, debates com os pais e a produção de trabalhos escolares. Atualmente, o Peteca está presente em 130 dos 184 municípios do Ceará e ao longo dos anos já mobilizou duas mil escolas, 15 mil educadores e 400 mil alunos.
“Cerca de 95% das crianças entre 10 e 14 anos estão na escola, isso quer dizer que o educador encontra essas crianças cinco vezes por semana. Qualitativamente e quantitativamente, os educadores estão muito presentes na vida das crianças e adolescentes. Não podemos abrir mão desses atores, temos que trazê-los para a luta contra o trabalho infantil.
”
Longo caminho à frente
A experiência bem sucedida do Peteca levou à criação da Agenda Cearense de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. “A partir da articulação que fizemos com a educação, percebemos que precisávamos desse trabalho em outras áreas”, explica. O desafio para este ano é criar a rede de prevenção e erradicação do trabalho infantil em cada município, articulando a educação, conselhos tutelares, assistência social e a sociedade civil.
O trabalho infantil é apenas uma das vertentes de trabalho do MPT e o procurador-chefe lida diariamente com outras pautas. “O grande desafio é conciliar todas as demandas, já que temos um número pequeno de procuradores de trabalho”, constata. Ele ainda relata que no órgão são 15 procuradores que atendem todo o estado, que tem mais de oito milhões de habitantes. “Isso faz com que tenhamos muitas demandas para poucos membros”, explica.
Antonio ressalta que ainda faltam políticas para a zona rural, sobretudo escolas em tempo integral, que são apontadas como um caminho para a erradicação do trabalho infantil. “Muitas das crianças que
trabalham estão na escola, mas por trabalharem têm uma série de prejuízos e isso pode levar ao abandono escolar”, avisa. Os altos índices de evasão escolar, especialmente na adolescência, o surpreendem. “Eu vi muitos adolescentes abandonarem a escola, mas achava que dentro de pouco tempo não teríamos mais esse problema, infelizmente isso ainda persiste.”
Nesse contexto, é importante ressaltar a necessidade da parceria com as escolas e os educadores na erradicação e prevenção do trabalho infantil. “A partir da comunidade escolar, temos uma estratégia para fortalecer a luta contra o trabalho infantil na prevenção. Podemos fazer com que a sociedade tenha um olhar atento a essa questão, podemos exigir políticas públicas e romper barreiras culturais, que fazem com que se aceite o trabalho infantil. Por meio da escola, ainda podemos fazer com que a sociedade perceba o trabalho infantil como uma violação de direitos”, exemplifica Antonio.
Olhando para seu passado, ele acredita que o Brasil já avançou muito e destaca o acesso à escola e a redução do trabalho infantil ao longo dos anos. “Na época em que eu era criança, as oportunidades de acesso à educação eram bem menores e antes se aceitava mais o trabalho infantil. Isso mudou, já existe um conjunto de atores dentro dos municípios buscando modificar essa realidade”, conclui otimista o procurador que fora no passado aquele menino que todos os dias caminhava cerca de cinco quilômetros para chegar até a sua escola.
Fonte digital: http://www.promenino.org.br/noticias/reportagens/tenho-a-possibilidade-de-atuar-na-transformacao-da-realidade


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