Para Além do Racismo
Mais do que a rejeição da cor da pele de um povo, o racismo se constitui na negação da história e da civilização desse povo; a rejeição de seu ethos, de seu ser total. A diversidade, contudo, é a condição universal da existência humana, e a riqueza da experiência humana se funda em grande parte na interação, na intercomunicação e no intercâmbio entre culturas específicas. O objetivo verdadeiramente revolucionário não é erradicar as diferenças (...) [mas antes] evitar que elas sejam transformadas em pedras fundamentais da opressão, da desigualdade de oportunidades ou da estratificação social.
—Abdias do Nascimento e Elisa Larkin Nascimento
Aprender a ser cidadão e cidadã é entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência, aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto podem e devem ser ensinados na escola.
Refletir sobre a escola e a diversidade cultural significa reconhecer as diferenças, respeitá-las, aceitá-las e colocá-las na pauta das nossas reivindicações, no cerne do processo educativo. Esse reconhecimento não é algo fácil e romântico. Nem sempre o diferente nos encanta. Muitas vezes ele nos assusta, nos desafia, nos faz olhar para a nossa própria história, nos leva a passar em revista as nossas ações, opções políticas e individuais e os nossos valores. Reconhecer as diferenças implica romper com preconceitos, superar as velhas opiniões formadas sem reflexão, sem o menor contato com a realidade do outro. Infelizmente, ainda encontramos entre nós opiniões do tipo “não vi; e não gostei”. Como a diversidade é vista nessa perspectiva?
Essas afirmações não significam uma apologia às diferenças e uma negação das
semelhanças existentes entre os grupos humanos. Os homens e as mulheres, sem exceção, possuem aproximações e distanciamentos. Aproximam-se no que se refere ao uso da linguagem, à adoção de técnicas, à produção artística e criativa, à construção de crenças, à necessidade de estabelecer uma organização social e política, à elaboração de regras e sanções. Todavia, essas aproximações ou semelhanças se dão das maneiras mais diversas, pois não são as mesmas para todo grupo social.
A existência de semelhanças, de valores universais e de pontos comuns que aproximam os diferentes grupos humanos não pode conduzir a uma interpretação da experiência humana como algo invariável. O acontecer humano se faz múltiplo, mutável, imprevisível, fragmentado. Essa é uma discussão sobre a diversidade cultural que precisa estar presente na escola.
Abraçando um futuro interdependente
Brasil, África do Sul e Estados Unidos
Superar o racismo: uma necessidade do século XXI
Brasil, África do Sul e Estados Unidos têm mais de 125 milhões de cidadãos identificados como afro-descendentes pela ascendência e/ou cor que há muito tempo têm sido submetidos ao racismo, à discriminação racial e a outras formas de tratamento desumano. Seus esforços no sentido de se livrarem, e de livrarem seus países, do racismo representam uma das histórias de direitos humanos mais transcendentais e esperançosas do século XX.
No início do século XX, o racismo e a supremacia branca eram aceitos como norma pela maioria dos brancos no Brasil, na África do Sul e nos Estados Unidos. Cem anos depois, as coisas mudaram. As pessoas afro-descendentes, ajudadas por diversos aliados, fizeram avanços significativos na garantia dos direitos iguais, e estão exigindo um tratamento igual àquele dado aos brancos. O apartheid acabou na África do Sul. Nelson Mandela está livre, e a África do Sul tem um governo inclusivo, não-racial e democrático. Nos Estados Unidos, o movimento de direitos civis --- e as leis e políticas públicas que gerou --- erodiram a segregação racial legalmente sancionada e ajudaram a criar uma classe média negra. O Brasil, país erroneamente chamado de "democracia racial", já começou a reconhecer a presença da discriminação racial contra afro-brasileiros e a desigualdade codificada pela cor. Hoje, nestas nações e no resto do mundo, existe um consenso crescente de que todos os seres humanos têm direitos humanos básicos, e que nenhum grupo humano é "superior" ou "inferior" a outro em termos de intelecto ou valor com base na "raça".
Três Nações na Encruzilhada:
Brasil, África do Sul e Estados Unidos
Brasil, África do Sul e Estados Unidos são nações democráticas com populações grandes, multi-raciais e multi-étnicas. Embora estas nações estejam entre as experiências mais importantes do mundo em como a diversidade e a democracia podem funcionar pelo bem comum, os legados da escravidão e do colonialismo no passado e os efeitos atuais da discriminação passada e presente continuam afetando a dinâmica da distribuição de oportunidades. Disparidades grosseiras entre "brancos" e "negros" estão presentes em todos os lugares.
O Brasil tem uma população atual de mais de 176 milhões de habitantes. Enquanto colônia de Portugal, importou mais escravos africanos do que qualquer outra nação do Hemisfério Ocidental, e foi a última nação do mundo a abolir a escravidão (em l888), depois de quase 450 anos de exploração.
Hoje, o Brasil tem a maior população de afro-descendentes fora do continente africano. Sua economia está entre as dez maiores do mundo. Também tem uma das sociedades mais desiguais do mundo, medida pela má-distribuição de renda. Os 20% mais ricos da população (pessoas cuja aparência se assemelha ao fenótipo europeu) possuem dois terços da renda nacional; os 20% mais pobres (majoritariamente negros e pardos) recebem menos de 3%.
África do Sul, uma nação de mais de 41 milhões de habitantes, experimentou regimes coloniais e nacionais baseados na supremacia branca durante mais de 350 anos. Pessoas de ascendência européia criaram o sistema mais elaborado de opressão racial no mundo moderno, violando sistematicamente e de todas as maneiras os direitos humanos dos africanos negros e "de cor". Estas políticas acabaram em 1994 com eleições livres e a instalação de um governo genuinamente democrático, mas um legado de desigualdade, pobreza, desconfiança e subdesenvolvimento persiste, prejudicando milhões de cidadãos.
África do Sul tem uma das maiores economias da África, porém quase dois terços da renda total do país vão para os 20% mais ricos da população, enquanto os 20 % mais pobres (todos os quais são negros ou "de cor") recebem apenas 4%.
Nos Estados Unidos, a escravidão durou mais de 240 anos, apenas para ser substituído por um sistema de supremacia branca que embutiu a segregação legal e a discriminação racial na vida americana durante mais de um século. Há menos de 40 anos existe um arcabouço de leis significativas contra a discriminação, e os esforços continuam no sentido de garantir seu cumprimento.
Os Estados Unidos são a única super-potência remanescente no mundo, com riquezas e poder sem paralelo. Os 20% mais ricos da população recebem um terço da renda do país, enquanto os 20% mais pobres, onde estão agrupados um número desproporcional de afro-americanos, recebem apenas 5%. E o que é pior, a desigualdade continua aumentando.
Nas três nações, as mulheres de todas as raças sofrem diversas formas de tratamento injusto e discriminação. Embora as mulheres brancas tendem a ter mais privilégios que as negras, ambos grupos têm problemas comuns que exigem respostas urgentes.
O racismo e o sexismo estão entrelaçados nas culturas, normas, histórias, arranjos institucionais, práticas e leis destas nações, em graus variados. Os esforços no sentido de combater o racismo e o sexismo devem continuar com vigor renovado, e devem ser encontradas maneiras novas e melhores de contrapor os efeitos negativos numa aldeia global em transformação rápida.

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