Educar para conviver
Sem políticas de promoção da
diversidade e combate ao preconceito contra homossexuais, a escola torna-se
palco de intolerância e homofobia
//Por Tory Oliveir
Convivência, respeito às diferenças e à diversidade são
temas recorrentes nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura dos alunos
do 8º e 9º ano da Escola Estadual Frei José Maria Audrin. O professor
Rubenilson Araújo, 37 anos, discute questões de gênero e diversidade sexual
com obras literárias, imagens e jornais. O objetivo é enfrentar a
homofobia, o preconceito contra homossexuais. “Encontramos ainda muito
preconceito. A escola está estagnada, não sabe lidar com os alunos homossexuais.
Por conta do ambiente hostil, a maior parte deles acaba saindo”, critica o
educador, que atua na rede pública de Porto Nacional, em Tocantins.
O educador fala por experiência
própria. Homossexual, sofria com atitudes preconceituosas por parte dos colegas
e dos professores em seu tempo de escola. “A minha vida foi marcada pela
discriminação. Inúmeras vezes eu cheguei a fazer xixi na sala de aula porque os
meninos me batiam se eu saísse da classe”, lembra. Dos professores, recebia
indiferença ou simplesmente a ordem: “Seja homem!”
Histórias como as de Rubenilson ainda
são realidade. Promovida pela Unesco em 2004 entre alunos brasileiros dos
ensinos Fundamental e Médio, a pesquisa Juventude e Sexualidade revelou que um
em cada quatro estudantes não gostaria de ter um colega de classe homossexual.
Outra pesquisa realizada pelo órgão indica o preconceito também entre os
educadores. De acordo com O Perfil dos Professores Brasileiros, 59,7% dos
docentes acreditam ser “inadmissível” uma pessoa ter experiências homossexuais.
Publicada em 2009, a pesquisa
Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil – Intolerância e Respeito às
Diferenças Sexuais também examina a questão da discriminação em razão da
orientação sexual. Um dado salta aos olhos: a escolaridade desponta como o fator
mais determinante na diminuição da homofobia. Segundo a pesquisa, enquanto
metade dos brasileiros que nunca frequentaram a escola (52%) apresenta
comportamentos homofóbicos, apenas 10% daqueles com Ensino Superior manifestam
o mesmo. Nenhuma das outras variáveis – como idade, renda ou religião – se
mostrou um influenciador tão marcante.
Segundo o sociólogo e coordenador da
pesquisa, Gustavo Venturi, várias hipóteses tentam explicar o porquê de a
escola ser tão determinante para a diminuição do comportamento homofóbico.
Desde os anos 1990, os parâmetros curriculares atuam como uma espécie de filtro
sobre os conteúdos dos livros didáticos, que não podem apresentar expressões ou
personagens racistas, homofóbicos ou misóginos (com conteúdo negativo ou de aversão
às mulheres). Além disso, por ser um espaço de socialização mais amplo do que a
família, a escola permite uma convivência maior com a diversidade. “Está
demonstrado que a convivência com pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais) provoca uma diminuição do preconceito. Ao conhecer de
perto um gay, a pessoa acaba desmontando a imagem preconceituosa.”
“A escola é o espaço de formação de
cidadania mais importante nas sociedades atuais”, afirma Marco Aurélio Máximo
Prado, professor de psicologia da UFMG e pesquisador do Núcleo de Direitos
Humanos e Cidadania LGBT (NUH). Desde 2008, Prado é o coordenador-geral do
Educação sem Homofobia, projeto de capacitação de professores sobre o tema que
acontece em Minas Gerais (quadro na pág. 60).
Omissão
No entanto, o espaço de convívio
também pode ser o de manifestação de preconceitos. Na ausência de políticas e
propostas para lidar com esse tipo de conflito, o resultado é o efeito inverso,
expresso nas piadas, no bullying e até na violência. No caso dos livros
didáticos, ao mesmo tempo que não há conceitos discriminatórios expressos nas
obras, também não há exemplos de diversidade sexual.
O ambiente escolar hostil para as
populações LGBT foi captado pela pesquisa qualitativa realizada pela ONG
Reprolatina em 2009. Uma investigação em 11 capitais brasileiras revelou que
evasão escolar, tristeza, isolamento, depressão e até casos de suicídio são
observados como consequência de uma escola homofóbica. Apesar de constatar a
existência do preconceito, a pesquisa chegou à conclusão de que esses alunos
são invisíveis para o resto da escola, o que acaba por determinar o tratamento
dado à questão da homofobia. Em muitos casos, ela é minimizada ou naturalizada,
geralmente expressa em brincadeiras ou piadas. “Homofobia” apareceu como
outro termo pouco familiar para os professores. A despeito das práticas de
violência homofóbica relatadas na pesquisa em detalhes, muitos não conheciam o
termo e nunca tinham pensado ou falado sobre o tema.
Fora dos muros da escola, a violência
persiste. Levantamento realizado em 2012 com 1.217 homossexuais da capital
paulista revelou que 70% já sofreram algum tipo de agressão. Segundo o estudo,
feito pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, 62% dos entrevistados
relataram agressões verbais, 15% agressões físicas e outros 6%, violência
sexual. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, em 2011 foram
registradas 1.259 denúncias de violência contra gays no Brasil. Nas contas do
Grupo Gay da Bahia (GGB), pelo menos 266 homossexuais foram vítimas de
homicídio no mesmo ano no País.
Para a educadora sexual e diretora do
Instituto Kaplan, Maria Helena Vilela, a escola não está preparada e ainda
sente dificuldade na hora de discutir o tema. “Ela se sente perdida, porque, na
verdade, não aceita a homossexualidade como algo natural”, afirma. Outro
problema é a confusão entre aceitação e apologia. Segundo a educadora sexual,
muitos professores e escolas ainda acreditam que, ao aceitar a orientação
sexual de um aluno, estariam incentivando seu comportamento.
Para Marco Prado, coordenador do
projeto Educação sem Homofobia, não existe idade certa para começar a trabalhar
diversidade e combate à homofobia em sala de aula. “Vai depender das demandas
que o professor receber”, explica. “Criamos, por exemplo, um quebra-cabeça para
crianças em que se colocam essas questões, de modo a construir uma roda de
conversa”, exemplifica. Em outro projeto de intervenção elaborado durante o
curso, batizado de Livro Fora do Armário, uma professora da Educação Infantil
criou uma biblioteca específica sobre o tema da diversidade para as crianças.
Segundo Prado, a falta de informação
geral sobre a sexualidade é o principal vilão no combate à homofobia e ao
preconceito. Dentro do ambiente escolar, as aulas de educação sexual geralmente
se voltam apenas para o aspecto biológico, com foco na prevenção de doenças e
da gravidez.
O papel do professor
Além da desinformação, os professores
também sentem muita insegurança na hora de agir. Como intervir, o que fazer e
como negociar institucionalmente a exploração do tema são questionamentos
levantados pelos educadores durante o curso de capacitação ministrado pela
UFMG.
“A formação dos professores é
precária do ponto de vista dessa discussão e as escolas geralmente têm pouco
apoio das secretarias para criar um projeto mais direcionado. Além disso,
muitas escolas públicas sofrem forte intervenção religiosa, o que acaba
dificultando a exploração em profundidade desses temas. Todos os professores
relataram questões ligadas à orientação sexual em sala de aula, como
brincadeiras ou humilhações.” Na opinião de Prado, é preciso empoderar o
professor para que ele possa pensar melhor em como agir diante desses casos.
“Quando ele não faz nada, acaba sendo cúmplice.”
Para Maria Helena Vilela, do
Instituto Kaplan, muitas vezes uma situação de homofobia pode ser o ponto de
partida para o professor estender a discussão para o resto da turma. O primeiro
ponto é o professor exigir respeito e também respeitar ele mesmo o aluno LGBT.
“Perguntas como ‘por que você está brincando?’ e ‘o que existe nessa
brincadeira?’ ajudam a desmontar o preconceito”, conta ela.
Além das discussões, jogos,
brincadeiras e dinâmicas de grupos podem ajudar a trazer à tona o debate a
respeito da diversidade sexual. “De forma geral, minha sugestão é que a escola
abra essa temática, discuta com os alunos e ensine sobre a construção da sexualidade.
Só entendendo como as pessoas se constroem sexualmente é possível aceitar o
outro”, defende Maria Helena.
Realizada em 2009 pela Fundação
Perseu Abramo em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung, a pesquisa
Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil revela que 26% dos entrevistados
admitiram nutrir preconceito contra gays, 27% contra lésbicas e bissexuais e
28% contra transexuais.
Surpreende, na visão do coordenador
do estudo, Gustavo Venturi, a naturalização do preconceito. Ele cita uma pesquisa
feita sobre discriminação racial em que apenas 4% admitiram preconceito contra
negros. “O fato de que cerca de um quarto a um terço da população brasileira
diga com naturalidade que tem preconceito contra os LGBT mostra a não aceitação
em nossa sociedade”, analisa.
A pesquisa também procurou investigar
o preconceito velado: 54% dos entrevistados manifestaram preconceito
classificado como leve. Participaram do estudo 2.014 pessoas em 150 municípios
de todo o Brasil.
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Publicado na edição 45, de novembro de 2013
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